SOMAR E MULTIPLICAR PARA NÃO DIVIDIR E SUBTRAIR

 Laura Maffei – Pedagoga, escritora e consultora em dependência química

 

O tratamento da dependência química vem sendo objeto de inúmeras discussões nos últimos anos. Principalmente a partir do início da reforma psiquiátrica, as vertentes e opções de tratamento vem se multiplicando e aumentando quantitativamente.

Isto não é ruim, visto que durante décadas e mais décadas o dependente químico foi ignorado e mantido muitas vezes recluso em instituições para doentes mentais absolutamente despreparadas para o tratamento adequado até mesmo de sua atividade principal, que dirá para tratar portadores de transtornos mentais advindos do uso de substâncias psicoativas.

No entanto, não se pode desprezar o fato de que a “retirada” abrupta de dependentes químicos do contexto de internação em manicômios e hospitais psiquiátricos gerou uma consciência maior do número representativo que esta parcela de pacientes compunha, o que de certa forma reflete-se inclusive financeiramente nos recursos oferecidos pelo governo para tais instituições. Visando atendê-los, a reforma psiquiátrica contempla dentro de suas possibilidades, o tratamento para o dependente químico, em sistema ambulatorial, promovendo a prática da redução de danos, com equipe multidisciplinar especializada, tratamento medicamentoso, terapias individuais e de grupo, atendimento com serviço social, dentre outras estratégias que englobam inclusive número previsto de leito para desintoxicação em hospitais públicos.

Concomitantemente, aumentou significativamente o número de Comunidades Terapêuticas com cunho religioso ou adeptas do Modelo Minessota. Juntamente com elas vieram as Clínicas Terapêuticas que a partir do reconhecimento da doença pelos planos de saúde passaram também a realizar a adequação necessária das instalações e equipe técnica com intuito de credenciarem-se como estabelecimentos de saúde, junto ao respectivo Ministério. Dentro deste perfil, chanceladas pela Lei 10.216 acresceram-se as Clínicas Involuntárias.

Observou-se um crescimento dos grupos de ajuda mútua tanto para dependentes quanto para codependentes. Cresceu a preocupação com a reinserção social, a profissionalização destes indivíduos sempre que possível fosse e algumas modestas parcerias feitas em território brasileiro comprovam a existência desta iniciativa.

Todavia, trata-se de uma doença atípica, progressiva, fatal e incurável. Com um cunho comportamental muito forte que faz com que ela se manifeste diferentemente em cada portador. Embora aparentemente seja possível observar muitas semelhanças na trajetória da dependência química na vida do indivíduo, os aspectos mentais da doença sempre serão multifacetados em virtude dessa subjetividade envolver muito mais do que a necessidade física do uso. Cada dependente tem uma psique única, uma história de vida pessoal, uma construção emocional própria, habilidades, competências e cognição distintas.

Por esta razão, não se trata de eleger o melhor ou pior, o certo ou o errado quando se trata do tipo de tratamento para um drogadicto. A disputa entre vertentes de tratamento da dependência química não levará a sociedade à lugar algum.

Num momento onde o II LENAD, o PeNse 2015 e outras pesquisas científicas sérias nos trazem números preocupantes, em tempos onde as cracolândias se multiplicam a luz do dia é necessário somar. Considerar que cada modalidade tem o seu valor e para todas elas haverá pessoas que poderão ser salvas se conseguirem estacionar seu uso. A hora não é de concorrência. É de aprimoramento. É de avançarmos qualitativamente e quantitativamente.

A preocupação de todos sem exceção deve ser em melhorar a qualidade dos serviços oferecidos e tomar todo cuidado possível para que a busca por esta melhoria não desvie o foco do dependente para a lucratividade. É possível sustentar-se neste nicho considerando o ser humano como prioridade. Não existe receita de bolo e a única certeza é a de que o mais correto estará sempre onde o amor pela causa estiver.