A tarde de primavera com chuva de verão, me faz lembrar minha infância, quando o cheiro da chuva, nos corrimões de madeira sobrepostos às grades de ferro da nossa casa, eram os primeiros sinais de que a chuva iria se prolongar. Lembro do cheiro da terra molhada no casarão do Estácio, onde toda a família residia. Lembro das férias no sitio em Várzea das Moças onde a família passava os meses de férias, mas onde pouco chovia. Nos dois lugares, galinhas de capoeiras, para o almoço de domingo da família! As canjas tinham uma porção de ovinhos, pequenas bolas de gude amarelinhas que estavam dentro das galinhas, e iam para as canjas da entrada do almoço.
Depois fui morar em Copacabana, em um apartamento térreo, que também tinha um quintal plantado com um jasmineiro que inundava a casa com seu perfume. Em todos os lugares da minha vida, sempre presentes estavam os bem-te-vis, que anunciavam o amanhecer. Aqui em São Pedro da Aldeia, havia um que pegava a ração do cachorro, batia com ela na grade de ferro e madeira (parecida com a grade do casarão do Estácio) e assim quebrava o grão de ração, até ao tamanho da sua goela!! Inteligente este bem te vi. Depois que mudei não o vi, agora só cambaxirras e o carcará que passa por aqui todos os dias.
Agora ao ver a foto do dia do plantio nas margens da Juturnaiba, junto com o neto mais novo, me pergunto: Onde foi que o ser humano perdeu o seu contato com a terra? Em que parte da vida foram perdidos este contato e suas referências? Cortaram as árvores e criaram o concreto. Sem cheiros, só com detritos e sem sombra!
Nada nos faz tão felizes quanto o ato de mexer com a terra. O corpo trabalha, sua, se movimenta, a fome aparece honestamente, o cansaço vem, e o sono é reconfortante. Olho a foto e vejo no semblante do neto o sentimento de importância com que ele plantou as duas Aroeiras. Me lembraram os tempos em que plantei o meu primeiro pé de abacate, ou quando com o avental cheio de sementes, lançava-as nos covos, enquanto percorria o terreno onde plantávamos milho para uso doméstico. Mas tudo era bem planejado, pela manhã lavoura, mas a tarde o piano me esperava na sede da fazenda!!
Não dava para fugir da responsabilidade do estudo. E assim deveria ser para todos. Lidar com a terra, lidar com as estações, perceber a proximidade da chuva, e o vento que a leva embora, conhecer a natureza, amar a terra e seus benefícios para a vida humana. Respeitá-la, nutri-la, ver surgir a água seja de chuva seja do rio que nasce, deixar que a natureza siga seu curso, criar boas condições de vida e alimentação, mas não desprezar a relação com a terra. Não voltar as costas para as lembranças do campo e trazer o campo para a cidade.
Plantar ruas , praças e quintais, criar hortas domesticas, sair do ciclo de dependência do supermercado, e descobrir o alimento fresco. Voltar a ter uma relação com a terra, apurar sentidos, de olfato e paladar, ouvir cantos de sabiá, enfim redescobrir a vida, e criar lembranças para todo o sempre.
Nestes dias, estávamos todos, em atividade de plantio na faixa marginal de proteção de Lagoa de Juturnaíba (que abastece toda a nossa região), em atividade promovida pelas Águas de Juturnaíba dentro do projeto Revivendo Águas Claras, desenvolvido junto com o Comitê de Bacia Hidrográfica Lagos São João, o Consórcio e a Prolagos.