A Função da Memória Histórica

 

Mas afinal “os dias eram ou não assim”? Essa novela, que vem sendo exibida pela Rede Globo, tem causado, nos últimos meses, inúmeras discussões sobre a veracidade dos eventos históricos ali exibidos, permeados, é claro, com uma certa dose de ficção. Só que as cenas ficcionais ficam por conta da “licença poética”, atribuída aos personagens que foram criados para o desenrolar da trama. Porém, fatos que são históricos são incontestáveis!

Como se pode contestar o que está nos livros de história, o que está na mídia e na memória nacional?

É inconcebível e até um desrespeito com as famílias de mortos, torturados e desaparecidos políticos que se coloque em dúvida o que todos já estão cansados de saber e está devidamente documentado.

É comparável, de certa forma, a outro absurdo, que já aconteceu algumas vezes, que foi se colocar em dúvida a existência ou não do holocausto, no período da Segunda Grande Guerra. Como se fosse fácil se colocar os restos mortais de seis milhões de judeus em baixo de um tapete. Haja tapete!

Se tais fatos não ocorreram, eu gostaria de saber o que aconteceu ao jornalista Vladimir Herzog, que apareceu morto numa das celas do DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna), em outubro de 1975. Será que alguém ajoelha para se enforcar, como aparece na famosa foto do fotógrafo Silvaldo Leung Vieira, que atualmente mora em Los Angeles (EUA), e que eu considero como símbolo da violência de um regime que durou 20 anos (1964 a 1985) no Brasil? E que fim levou o corpo do militante político Stuart Edgar Angel Jones? Qual é a verdade sobre o acidente que vitimou sua mãe, a estilista Zuzu Angel, que morreu em circunstâncias suspeitas, num “acidente” de carro, enquanto investigava o destino do filho?

Muitos pais, mães e filhos não puderam sepultar seus entes queridos, até hoje não encontrados. Só muitos anos depois tivemos noção do paradeiro de alguns dos presos políticos desaparecidos. Foram encontradas, na década de 1990, 614 ossadas que estavam em vala clandestina do Cemitério Público Municipal de Perus, na zona noroeste da capital paulista, fundado em 1971 e utilizado durante o regime militar para enterrar, clandestinamente, militantes políticos assassinados e outras vítimas da violência da ditadura. Desses restos mortais, de possíveis desaparecidos políticos, na época, inicialmente, dois deles foram identificados: Dênis Antônio Casemiro e Frederico Eduardo Mayr.

Parece redundante revisitar tais fatos, já tantas vezes noticiados e discutidos. Entretanto, para que esses crimes não caiam no esquecimento, é fundamental que sejam lembrados para que jamais sejam repetidos.

Como se pode sequer pensar em trazer de volta um regime abusivo, que feria todos os direitos humanos e convenções internacionais? Não se conserta o que está errado revivendo outro erro histórico, do qual não devemos guardar nada além das lições aprendidas.

A muitos, esses episódios podem parecer distantes, por não haverem tido relação próxima com nenhum preso político, o que cria certo distanciamento dos fatos. Eu, porém, conheci um professor de história, meu professor do ensino médio, aliás, de nome Manoel Maurício Albuquerque, que foi um desses perseguidos da ditadura. Foi cassado pelo AI 5 (Ato Institucional Número 5), preso e torturado. Tendo sido afastado das universidades, seu trabalho se restringiu a cursos secundários, muito aquém da sua capacidade, desperdiçando o que tinha de melhor para oferecer. Mesmo assim, dando o máximo de si, e com um humor incomparável, que permeava as suas aulas, conquistou o coração de um sem número de adolescentes, que o tinham como um ídolo.

Portanto, caros leitores, mudanças urgem serem feitas neste nosso país, contudo não podemos retomar um erro para substituir outros. Soluções existem e dependem de cada um de nós. Aja com responsabilidade, honestidade e perseverança, ensinando esses e outros valores para os seus filhos, os futuros gestores desta nação, que dias melhores chegarão para todos nós!

Fontes:
https:www.pragmatismopolitico.com.br/2012/02/homem-que-fotografou-vladimir-herzog-enforcado-confessa-a-farsa-do-suicidio.html

http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2014/06/capitao-diz-cnv-que-stuart-angel-foi-enterrado-em-base-aerea-do-rio.html

http://m.agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2015-08/mpf-recebe-614-ossadas-de-possiveis-

Fotos:
Foto 1: https://sto-blog.s3.amazonaws.com/images/2016/03/31/ditadura-militar.png

Foto 2: Silvaldo Leung Vieira