Às vezes, nos deparamos com fatos tão bizarros que neles custamos a acreditar, pois excedem até as piores expectativas. Entretanto, devo concordar que colocar gravata em índio ganha, com folga, de qualquer outro absurdo. Isso para dizer o mínimo.
Não é novidade para ninguém que a civilização ocidental contemporânea desenvolveu-se com base nas grandes conquistas territoriais. As principais potências econômicas à época das grandes navegações e, mais tarde, por ocasião do neocolonialismo, através de uma política expansionista dos seus territórios, buscavam em novas terras as especiarias de que careciam, outros mercados consumidores para seus produtos e os metais e pedras preciosas que faziam a sua riqueza. E com total desprezo pelo que não entendiam, menosprezavam quaisquer outros tipos de cultura diferentes daquela do dito “primeiro mundo”. Chegavam ao cúmulo de julgarem-se os redentores dos, por eles denominados, “povos selvagens”.
O que esses conquistadores julgavam civilizado beirava a pratica de atos de violência contra povos nativos locais ao ponto de conquistar suas terras, desrespeitar suas culturas, obrigar esses povos a adotar novas línguas e costumes, quando não exterminavam populações inteiras e seus templos.
Com base nessas premissas relembro uma entrevista do programa Conversa com Bial, da Rede Globo, de 23 de outubro de 2018. O diretor de cinema Luiz Bolognesi apresentou seu então recente documentário Ex-pajé no qual denuncia o problema de desrespeito à cultura e ritos religiosos da tribo Paiter Suruí, de uma região compreendida entre os Estados de Rondônia e Mato Grosso.
Segundo Bolognesi, a tribo inteira teria sido convertida ao cristianismo por missionários cristãos, restando unicamente ao pajé da tribo, Perpera, a incumbência da defesa da sua cultura e tradições. Em uma luta solitária, o líder espiritual dessa aldeia indígena sofreu a rejeição do próprio povo e foi convencido que estava errado nos seus esforços para preservar seus costumes e professar a sua fé da maneira que aprendeu desde criança. Seu castigo, pasmem, foi ser obrigado a trajar camisa e calça social e usar até uma gravata, servindo de zelador na igreja em questão. Tudo isso, para não ser banido da aldeia definitivamente.
E atentem para o detalhe de que esta prática não atinge apenas os Paiter Suruí. Esse processo vem ocorrendo ao longo de séculos, em diversas tribos de nativos, ao redor do mundo.
O que entendo eu de divulgar o evangelho seria ensinar a palavra divina para quem queira escutar e não impor esta ou aquela religião a quem quer que seja, mesmo porque cada um tem a sua. Para isso existe algo chamado “livre arbítrio”.
Hoje, Perpera aceita a triste sina de ser um “ex-pajé” de uma tribo que perdeu a sua identidade cultural e espiritual e que, ironicamente, se autodenomina paiter, que significa “gente de verdade, nós mesmos”. E para quem tanto orgulho tinha de ser quem era e a certeza e convicção da sua história e tradições é uma nova e lamentável realidade a que este povo enfrenta hoje em dia.
No mesmo programa, a antropóloga Aparecida Vilaça – autora do livro “Paletó e Eu”, narra problemas semelhantes na sua obra, onde relata o relacionamento de pai e filha que viveu com o índio Paletó.
Para finalizar, deixo para reflexão um comentário feito por Aparecida durante o programa: “A destruição não é só do conhecimento natural, mas de toda uma filosofia. Você tem um mundo intelectual íntegro. É como se você queimasse toda uma biblioteca”.
Fotos:
Foto 1:http://t0.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcSWTPl6V1-S9Qq_yanfQ5faXWyEhqrmabvxI55_aHVSWIf1yZgE
Foto 2:
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Fontes:
https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Suru%C3%AD_de_Rond%C3%B4nia
https://gshow.globo.com/programas/conversa-com-bial/noticia/cineasta-comenta-drama-cultural-vivido-por-indios-da-tribo-paiter-surui.ghtml
Título retirado do poema “Saudação a Walt Whitman”, do livro Ficções do Interlúdio, do autor português Fernado Pessoa.
http://www.adorocinema.com/filmes/filme-261394/criticas-adorocinema/